Mais uma vez, Rubem Alves

Bragança Paulista, 08 de junho de 2011

[ouvindo Nando Reis, All Star]

(…)

Rubem Alves: “Cantos do Pássaro Encantado – Sobre o nascimento, a morte e a ressurreição do amor”.

Quando cheguei no capítulo 2, “…Amei-te já muito antes…”, eu fiquei extasiada, encantada. Acho que meus olhos nunca tinham lido algo tão profundo, amoroso e doce. E é por isso que eu resolvi reescrever o capítulo todo aqui, que pra mim, já se tornou inesquecível.

“Amei-te já muito antes…”

Quando te vi amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei. (Fernando Pessoa)

Essa á a mais bela, a mais curta e a mais sábia declaração de amor que conheço. Sábia por não ser o simples enunciado de um sentimento. São palavras que marcam o lugar obscuro onde o amor brota.
***
Ela estava assentada ligeiramente inclinada para frente, as mãos apoiadas sobre as coxas. Olhou-o com olhos tranquilos e com voz baixa disse: “Meu nome é Heloísa”. Tinha maçãs salientes e um rosto de menina. Uma beleza singela e despida, sem nenhum adorno, irradiava do seu corpo.
Ao vê-la, ele sentiu uma súbita alteração no peito, coisa que nunca havia sentido, como se tivesse sido instantaneamente enfeitiçado por aquele rosto. Percebeu que estava perdido. Ele a amou para sempre desde o momento em que a viu.
***
Há muito tendo entender esta cena. Embora saiba que a razão lógica não conhece as razões do coração, embora Drummond tenha escrito um poema com o título “As sem-razões do amor”, embora o próprio Santo Agostinho não soubesse o que amava quando amava, sou fascinado pelo mistério desse súbito encantamento.
Como um feitiço. O apaixonado fica possuído por uma imagem. Qual é a origem desse sentimento que fisicamente toma posse do lado esquerdo do peito?
***
O poeta medita: “Quando te vi…” Eu nunca tinha visto. Não havia antecedentes que tivessem preparado aquele momento. Nada sabia sobre ela. Dela, naquele momento, a única coisa que eu tinha era a imagem: eu a vi.
Tudo aconteceu pelo olhar. Foi nos meus olhos que o amor começou. Como eu nada sabia sobre ela, era distiuída de substância. Eu só tinha aquilo que meus olhos me ofereciam: uma imagem. Imagens são criaturas de luz. Foi isto que meus olhos viram, foi isto que eu amei: um nada luminoso.
Uma imagem não pode ser tocada – falta-lhe a matéria. Nem me atrevi a fazer um gesto… Meus olhos pararam sobre o seu rosto e o tocaram imperceptivelmente com dedos de luz. Amei-a com meus olhos. E amei os seus olhos, que me fitavam. Naquele momento eu não sabia, mas ela sentira o mesmo que eu.
Eu já havia visto muitas mulheres. Muitas delas mais bonitas. Mas a beleza delas nada fez com meu corpo. Então, não a amei por ser mais bonita que as outras. Não é a beleza que produz o encantamento. A beleza toca minha sensibilidade estética. Mas a sensibilidade estética pertence à razão cerebral, que julga o que vê. Falta-lhe, entretanto, o poder de encantar. A beleza não faz nada dentro do meu peito. Se o amor fosse produzido pela beleza, teria me apaixonado por muitas mulheres.
Então, o que foi que me enfeitiçou?, o poeta pergunta. Onde estava o encanto daquela imagem? Não sei. Amei sem saber porquê. Faço a mesma pergunta que Santo Agostinho fez: “O que é que amo quando te amo?” O que foi que amei quando te vi? Alguma razão deveria haver. O coração tem as suas razões, muito embora a razão as desconheça. Esse é o mistério.
***
Não, não foi encontro de primeira vez, embora tenha acontecido no tempo da minha vida.
“Tornei a achar-te quando te encontrei”. Antes de eu nascer, tu eras minha. Quando nasci, perdi-te. E agora, você à minha frente, sua imagem me levou para esse passado misterioso, onde éramos um do outro num amor imperturbável.
As razões do encantamento se encontram nesse tempo anterior. Era lá que eu vivia adormecida. Como um sino que repica na aldeia e ressoa em ecos na montanha distante, assim foi: a imagem fez minhas paisagens interiores, envoltas nas brumas do esquecimento, reverberar. Eu não as vi. Eram invisíveis nas brumas. Mas ouvi a respiração. Ela estava lá. Antes que eu a houvesse visto naquele momento encantado presente, eu já a amava. Eu a amara sempre, num tempo anterior ao agora, tempo de que me havia esquecido.
A experiência do amor – quem sabe a palavra mais certa seja “paixão” – existe dentro dessa bolha encantada, fechada em si mesma, que subitamente nos extrai do presente. É uma emoção em estado bruto, irresistível, que se apossa da alma, a domina e se basta.
Seria impróprio dizer que aquela imagem, a imagem que me encantou, fora uma teofania, o sagrado fazendo-se visível? Porque o que é o sagrado? É aquilo que amo acima de todas as coisas. E eu a estava amando acima de todas as coisas. Ela era sagrada pra mim…

(continua…)

__________________________________________________________

Puro encantamento. Colírio aos olhos.
E eu certamente dormirei mais feliz depois de ter lido essa beleza.
Talvez seja meu estado de espírito. Talvez você nem se identifique tanto.
Mas na realidade, é um exercício difícil descobrir porquê sentimos determinado sentimento por determinada pessoa. Vale a tentativa!

Meu beijo,
Lilica.

10 comentários sobre “Mais uma vez, Rubem Alves

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.